Sentença condena criminalmente dona de marcas de roupa por terceirização com trabalho escravo

Sentença condena criminalmente dona de marcas de roupa por terceirização com trabalho escravo

Alvos de denúncia do Ministério Público Federal (MPF), duas pessoas foram condenadas por manter estrangeiros em condições análogas à escravidão em uma oficina de costura em São Paulo (SP) entre outubro de 2018 e julho de 2019, pelo menos. Um dos réus é a proprietária de duas marcas de roupas que terceirizava a produção para o estabelecimento. A sentença impôs a ela pena de três anos de prisão, substituída por prestação de serviços comunitários e o pagamento de 20 salários mínimos.

O outro réu é o dono da oficina, localizada no Jardim de Lorenzo, bairro da zona leste de São Paulo. Ele foi condenado a sete anos de reclusão, em regime inicial semiaberto. A pena considera não só a submissão dos trabalhadores a condições degradantes, mas também o aliciamento das vítimas, que o microempresário recrutava principalmente no Peru, seu país de origem. O emprego de dois adolescentes na produção das peças também elevou as sanções aplicadas a ambos os réus. Eles poderão recorrer da sentença em liberdade.

A oficina produzia roupas das marcas Anchor e Tova, vinculadas às confecções Anchor e MNJ. O espaço era o local de trabalho e moradia para ao menos 13 empregados, entre peruanos e bolivianos. As jornadas alcançavam até 14 horas, iniciando-se às 7h e estendendo-se até as 22h, com pausas apenas para refeições. As vítimas ficavam permanentemente expostas a riscos, uma vez que o imóvel tinha instalações elétricas precárias, botijões de gás instalados em ambiente fechado e máquinas de costura sem proteção das polias que pudesse evitar acidentes.

Nenhum dos trabalhadores tinha registro em carteira. Os salários, que já eram baixos, reduziam-se ainda mais após a retenção de valores para o custeio de aluguel, alimentação e outras despesas da casa. Uma das dificuldades para que os empregados conseguissem deixar o imóvel eram as dívidas. Os adolescentes, um casal recrutado na cidade peruana de Juliaca, relataram ter sido impedidos de sair da oficina enquanto não pagassem ao proprietário R$ 1,4 mil gastos para trazê-los ao Brasil. Durante os quase nove meses em que trabalharam no local, ambos receberam apenas cerca de R$ 6 mil, ao todo.

A sentença destaca que, mesmo sem acompanhar a rotina de produção, a empresária que terceirizava a confecção das peças à oficina também tem responsabilidade pela situação precária das vítimas. Segundo a decisão, a Anchor e a MNJ tinham poder de direção sobre o estabelecimento ao determinar prazos, qualidade, preços e logística, e por isso podem ser consideradas as verdadeiras empregadoras dos trabalhadores. As empresas abusavam do exercício da livre iniciativa ao terceirizarem suas atividades a uma oficina sem lastro trabalhista, e a falta de interesse da proprietária em saber as condições dos empregados demonstra, no mínimo, “cegueira deliberada”.

“Reitera-se, por oportuno, que o baixo valor pago pelas empresas ‘Anchor’ e ‘MNJ’ é causa direta para a manutenção das condições aviltantes e análogas às de escravo a que estavam submetidos os costureiros”, afirmou a sentença da 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo. “Neste sentido, é claríssima a responsabilidade das referidas empresas, que lucravam contratando mão de obra extremamente barata, não se importando minimamente com as condições de emprego daqueles que lhe prestavam serviços. O único interesse era a potencialização do lucro.”

A autora da denúncia do MPF que levou à condenação dos réus é a procuradora da República Ana Carolina Previtalli Nascimento.