ARTIGO ESCRITO POR DOM CARDOSO. O Roque Ricciardi que se tornou Paraguassu

ARTIGO ESCRITO POR DOM CARDOSO. O Roque Ricciardi que se tornou Paraguassu

Ele nasceu e foi batizado como Roque Ricciardi, porque seus pais eram imigrantes italianos, chegados ao Brasil nos meados do Século XIX. Ainda conhecido como “o italianinho do Brás”, ele foi o primeiro paulista a gravar um disco em cera, “Madalena” (1912), uma homenagem frustrada de amor por uma adolescente, nunca correspondido. Depois, para se identificar melhor com o público, adotou o nome brasileiro – e mais do que isso, indígena – “Paraguassu”-, com ele assinando peças, novelas, livros, métodos musicais para violão, composições e modinhas que marcaram época no Brasil, além de lhe proporcionarem fama e dinheiro. Em tupi Paraguassu significa Cocar Grande. Os silvícolas também chamavam assim o Rio da Prata.

Paraguassu foi feliz em tudo que de musicalmente produziu na vida, menos na canção “A Pequenina Cruz do Teu Rosário”, uma modinha inspirada no poema “Loucura”, do paraguaio Fernando da Costa Wendy e musicada pelo cearense Roberto Xavier de Castro. Acusado de apropriação indébita – o primeiro caso registrado no Brasil, na área musical -, Paraguassu foi forçado a pagar uma indenização razoável, que quase o desequilibra financeiramente. Para se refazer do prejuízo, ao longo de sua trajetória artística de 64 anos (1912-1976), gravou composições de grandes nomes da MPB, como Catulo da Paixão Cearense, Cassimiro de Abreu e outros de igual fama.

Na realidade o sonho do menino Roque começou em 1901, aos sete anos, quando seu pai, Giuseppe Ricciardi, levou para casa um gramofone e o ligou, alguns minutos, para a criança ouvir. Ele ficou fascinado e curioso: fascinado, porque desejava ser cantor, para dar vazão à sua voz, do jeito daquela que ouvira no estranho aparelho; e curioso, porque depois que o pai foi dormir, ele abriu a geringonça e verificou que não tinha nenhum cantor escondido dentro da máquina, como havia pensado. O garoto era  traquinas e tinha uma idéia fixa: ser cantor de qualquer jeito. Respeitado em sua carreira, que terminou em 1976, aos 82 anos, Paraguassu fez de tudo em sua trajetória artística.

Sem orgulho, cantou em rádios, teatros, circos e confeitarias. Também foi um incontestável pioneiro: em 1924 inaugurou a primeira Rádio de São Paulo, a Educadora, numa época em que o Brasil não dispunha ainda do recurso do microfone e os artistas cantavam improvisando um bocal de telefone. Também foi o primeiro a usar o sistema elétrico de gravação de discos em 78 rpm, gravando Choça do Monte, de Catulo da Paixão Cearense e um poema musicado por ele, Berço e Túmulo, de Cassimiro de Abreu. Na área da sétima arte, provocou um rebu sobre a platéia do Cine Santa Helena, ao exibir seu primeiro filme falado.

O cinema ainda lhe inspirou para criar o clássico Coisas Nossas, além de Campeão de Futebol, em parceria com o craque Friedenreich. Era um inquieto faz-de-tudo, sempre apelando para o perfeccionismo. Máguas foi uma canção que vendeu os tubos, mas trouxe conseqüências funéreas para alguns: comprovadamente cinco pessoas se suicidaram, sendo uma em Curitiba, outra em Campinas, a terceira em Rio Bonito e, as duas últimas, em locais não divulgados. Um casal suicida teve até fotos dos cadáveres divulgadas no jornal A Gazeta. Não se sabe como o público reagiu a esses atos de fãs tresloucados. Na foto do casal suicida, o rapaz trazia o revólver caído sobre o peito.

Em 1912, quando gravou sua primeira canção, o mundo musical adorava as modinhas. Madalena, uma ninfeta de 14 anos, que morava na Rua do Gasômetro, era a homenageada. Ela não gostou da música nem do autor, segundo revelou o próprio Paraguassu, numa entrevista ao vivo concedida em 1974 – dois anos antes de morrer -, ao programa MPB-Especial, da TV Cultura de São Paulo. A menina não cedeu nem com uma serenata ao vivo, que o pretendente lhe ofertou apaixonado e humildemente, ao pé da janela.

O rapaz, então com 18 anos, curtiu a amargura de ser rejeitado pela pretensa mulher amada. A gravação elétrica chegou ao seu conhecimento em 1928, pela Gravadora Odeon, via Casa Edson (RJ). Os donos de vozeirões, como ele, Vicente celestino e Chico Alves, eram instruídos pelo técnico da empresa, Mr. Headher, que pedia a eles para cantar mais baixo. Motivo: a reverberação excessiva estragava o material do disco. Dois cães policiai88s que um sapateiro, Domingos Rabino, amigo de Paraguassu, deu ao homeopata Martinho Nobre, levou o cantor a um encontro feliz.

Rabino tocava violão e cantava as músicas de Catulo da Paixão Cearense. Nobre, que  era amigo de Catulo e muito chegado a Rabino, sugeriu a Paraguassu dar uma passadinha na casa dele,, onde Catulo se hospedava, quando vinha a São Paulo. Foi dito e feito. Ao serem apresentados, nasceu uma parceria que duraria até a morte de Paraguassu, em 1976. Os tempos das serenatas foram lembrados por Paraguassu com muita saudade: Algumas casas abriam as portas em plena madrugada. Tinha um italiano que mandava todos entrar, matava frango, fazia macarronada e o pessoal enchia a pança. Comiam até o alvorecer. Depois, os músicos iam para casa dormira. A noitinha, o périplo musical recomeçava.

Na entrevista de 1974 Paraguassu deu a receita porque não ficou rico: “Ajudei mitas pessoas. Fossem amigos, falsos ou não, eu ajudei e me sinto recompensado por isto que pratiquei. Meu dinheiro não me pertencia: eu tinha a minha parte, para minhas necessidades, mas ajudava muita gente. Não guardei nada, mas sou feliz, porque tenho saúde e, com a graça de Deus, nada me falta. Sabe por que? O dinheiro não traz felicidade, não”.Morreu em 5 de janeiro de 1976 (SP), deixando um vago de saudade na sua legião de fãs.      

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