Brasil pode ser exemplo de como defender democracia da desinformação, diz diretor do Avaaz

O Brasil tem a oportunidade de mostrar ao mundo como adotar uma legislação equilibrada contra as fake news e se tornar um exemplo de como defender a democracia da ameaça da desinformação, afirma Ricken Patel, 43, fundador e diretor-executivo da Avaaz, a maior comunidade de ativistas online do mundo, com 60 milhões de membros – dos quais, 17 milhões só no Brasil.

Ele acompanha de perto as tentativas brasileiras de criar uma legislação contra desinformação.

Com base em estudos sobre o assunto em diversos países, a organização atuou como consultora nos projetos de lei apresentados pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e pela dupla de deputados Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES).

“Há uma grande probabilidade de que as eleições brasileiras em 2022 sejam inundadas por campanhas de desinformação. Isso poderá ser irreversível para a democracia brasileira”, diz.”Se o Brasil aprovar essa legislação, vai catalisar um movimento global e salvar não apenas a democracia brasileira, mas pode ajudar a salvar a democracia no mundo”, completa o canadense-britânico.

PORTAL PERGUNTA.

Algum país já conseguiu implementar uma legislação contra desinformação que seja eficaz e, ao mesmo tempo, não viole a liberdade de expressão?
RICKEN PATEL – A resposta curta é não. Ainda não foi aprovada uma legislação ideal no mundo. A legislação na Alemanha é ótima, mas cobre apenas conteúdo ilegal – e sabemos que parte da desinformação é ilegal, mas a maioria não é. A lei na França é uma tentativa admirável de lidar com a desinformação, mas é insuficiente.

As principais obrigações estabelecidas na lei restringem-se aos períodos eleitorais, e ela determina que conteúdo com objetivo de mudar votos seja considerado desinformação. Como a lei permite remoção de conteúdo, exige que um juiz intervenha antes. O sistema proposto no Brasil, em que o conteúdo é corrigido, e não apagado, pode se apoiar em checadores de fatos, e não juízes. Isso torna mais factível ter uma resposta na velocidade e na escala adequadas.

Muitas leis na Ásia são regressivas e antidemocráticas. A legislação em Singapura transforma o governo em um árbitro da verdade. A lei da Malásia era tão ruim -criminalizava o compartilhamento de fake news, entre outras coisas- que foi revogada. Pessoas foram presas na Indonésia e no Camboja simplesmente por compartilharem informação que o governo alegava ser desinformação. Centenas de pessoas foram multadas por causa do decreto presidencial sobre fake news no Vietnã.

O Reino Unido e a Irlanda estão estudando legislação sobre danos online, mas não está claro se essas leis vão abordar desinformação e, caso abordem, que instrumentos vão usar. Legislação antidesinformação que seja eficiente e democrática não pode ser muito restrita, como é o caso das leis na Alemanha e na França. Tampouco pode criminalizar linguagem, violando o direito à liberdade de expressão, como as iniciativas na Ásia. O Brasil tem a oportunidade de mostrar ao mundo como adotar uma legislação equilibrada e se tornar um exemplo de como defender a democracia da ameaça sa desinformação.

P – Em que medida a desinformação ameaça a democracia?
RP – Estamos vendo uma bola de demolição se movendo ao redor do mundo, impulsionada por movimentos e líderes que são movidos a desinformação, que assumem o poder afogando os eleitores em mentiras e depois usam a desinformação para manter o poder. É a tirania 2.0. Os mestres dessa tirania são regimes autocráticos como China e Rússia, mas ela é cada vez mais exportada globalmente.

A janela de oportunidade para agirmos a respeito desse problema está se fechando, porque, quando um movimento ou um líder movido a desinformação assume o poder, mudam os incentivos para as big techs, as plataformas de mídias sociais. A partir desse momento, elas sofrem pressão para não agirem, não adotarem nenhuma medida que mexa com a desinformação. E aí que realmente temos um cenário distópico, um governo que recorre à desinformação, garantindo que as plataformas mantenham a desinformação circulando.

Todas as evidências indicam que os eleitores brasileiros votaram na última eleição presidencial, em 2018, majoritariamente acreditando em informações tóxicas tanto sobre as pessoas em quem estavam votando quanto sobre as pessoas que estavam votando contra. E elas receberam essa desinformação pelas mídias sociais. Há uma grande probabilidade de que as eleições brasileiras em 2022 sejam inundadas por campanhas de desinformação. Isso poderá ser irreversível para a democracia brasileira. É por isso que considero crucial para o mundo e para o Brasil aprovar agora legislação inteligente, que proteja a democracia e a liberdade de expressão. Se o Brasil aprovar essa legislação, vai catalisar um movimento global nessa direção, e vai salvar não apenas a democracia brasileira, mas pode ajudar a salvar a democracia no mundo.

P – Líderes populistas de direita encampam a bandeira da defesa da liberdade de expressão e alertam para o perigo de regulamentação acabar se transformando em censura.
RP – Ao redor do mundo, tentativas de criar leis emperraram por causa dessa falsa contraposição entre proteger a liberdade de expressão e proteger a democracia. A verdade é que não existe democracia sem liberdade de expressão, e não existe liberdade de expressão sem democracia. Precisamos aprovar uma legislação que proteja ambas. É por isso que as versões originais dos projetos da Câmara e do Senado [do Brasil] eram excelentes no sentido de promoverem soluções que teriam um impacto sobre desinformação e, ao mesmo tempo, não censurariam absolutamente nada, não removeriam nenhum conteúdo.

 

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