Combate às fraudes no auxílio emergencial e fortalecimento dos acordos de não persecução penal marcam atuação da Câmara Criminal do MPF em 2020

A pandemia do novo coronavírus impactou diretamente a atuação da Câmara Criminal do Ministério Público Federal (2CCR/MPF) em 2020. O combate às fraudes no auxílio emergencial, por meio de uma atuação articulada e estratégica, elaborada conjuntamente com instituições parceiras, foi um dos principais focos de trabalho do órgão superior, que também se destacou ao propor medidas de enfrentamento da pandemia no âmbito penal. Além disso, o Colegiado atuou para consolidar a utilização dos Acordos de Não Persecução Penal (ANPPs) e para enfrentar os desafios do trabalho escravo contemporâneo, do tráfico internacional de pessoas e da criminalidade na internet.

Em março, após a decretação do estado de emergência no país, as Câmaras Criminal (2CCR), de Meio Ambiente (4CCR) e de Combate à Corrupção (5CCR) editaram a Orientação Conjunta 01/20, que recomenda a destinação de penas pecuniárias, multas e valores oriundos de colaborações e acordos penais a medidas de prevenção e combate à pandemia. A iniciativa foi ampliada por meio de recomendação do procurador-geral da República e presidente do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Augusto Aras, a todos os membros do MP brasileiro.

Também a partir de propostas da 2CCR, o PGR sugeriu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a suspensão temporária das penas de prestação de serviços à comunidade, bem como o levantamento dos valores existentes em todas as contas judiciais federais ou estaduais, a fim de subsidiar os pedidos de destinação de recursos pelos membros do MP.

Combate às fraudes – Diante das inúmeras denúncias de desvios e irregularidades relacionadas ao auxílio emergencial, benefício criado pelo governo federal para mitigar os efeitos da pandemia entre a população mais vulnerável, a 2CCR editou, em junho, a Orientação 42/20, norma que estabeleceu diretrizes para a atuação dos membros do MPF frente às comunicações de fatos criminosos envolvendo solicitação e recebimento indevido da ajuda financeira. No mesmo mês, representantes do MPF e da Polícia Federal (PF) se reuniram para discutir estratégias e procedimentos operacionais de combate às fraudes no auxílio emergencial.

Em julho, membros da 2CCR, da PF e do Tribunal de Contas da União (TCU) discutiram aspectos práticos sobre o trabalho conjunto das instituições no combate às fraudes no auxílio emergencial. Foram definidos, entre outros pontos, o fluxo para a comunicação de irregularidades, os filtros de análise e os pontos focais de cada instituição para o encaminhamento de estratégias. O contato permanente entre os órgãos possibilitou a definição de uma estratégia integrada de responsabilização por fraudes ao benefício, desenvolvida conjuntamente pelo MPF e a Polícia Federal, com a participação do Ministério da Cidadania, da Caixa Econômica Federal, da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas da União.

A experiência serviu para que, no mês de agosto, a 2CCR promovesse alterações na Orientação 42/20, a fim de aperfeiçoar e alinhar o texto da norma à Estratégia Integrada contra as Fraudes ao Auxílio Emergencial.

ANPPs – Outra prioridade da Câmara Criminal em 2020 foi a consolidação da utilização dos Acordos de Não Persecução Penal (ANPPs) pelos membros da instituição. Regulamentado por resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) desde 2018, o instrumento foi introduzido no Código de Processo Penal (CPP) pela chamada Lei Anticrime (Lei 13.964/2019), que entrou em vigor em janeiro passado.

Para facilitar o trabalho dos procuradores, a 2CCR elaborou, no início do ano, um roteiro em que sugere, de forma prática, os passos a serem seguidos pelos membros na celebração de ANPPs. Em março, divulgou uma nova versão da Orientação Conjunta 3/2018, que trata dos acordos de não persecução penal. O texto foi revisto e ampliado pelas Câmaras do MPF com atuação criminal a partir da edição da Lei 13.964/19.

Com o objetivo de divulgar o novo instrumento, a 2CCR divulgou, em março, o primeiro balanço sobre o número de acordos de não persecução penal celebrados pelo MPF até aquela data. Em todo o país, eram mais de dois mil ANPPs propostos por membros da instituição. Em setembro, o número superou a marca de cinco mil acordos assinados, sendo 3.892 somente no ano de 2020. O levantamento apontou que os crimes com maior incidência de ANPP eram contrabando ou descaminho (1.165), estelionato majorado (802), uso de documento falso (469), moeda falsa (285) e crimes contra o meio ambiente e o patrimônio genético (200). Revelou ainda que o instituto já havia sido utilizado nas 27 unidades da Federação.

Para aprofundar o debate sobre os ANPPs e outras alterações introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei Anticrime, a 2CCR lançou, no mês de junho, a coletânea de artigos “Inovações da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019″.

Crimes na Internet – A 2CCR também participou ativamente dos debates em torno do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14) e da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/18). Em fevereiro, por meio do Grupo de Apoio sobre Combate a Crimes Cibernéticos (GACC) da Câmara Criminal, participou de audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 51, que analisa o Acordo de Assistência Jurídica Mútua (MLAT, na sigla em inglês) firmado entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos. Na ocasião, o MPF reafirmou seu entendimento de que, no caso de empresas estrangeiras com filial no Brasil, vale o previsto no Marco Civil da Internet, garantindo às autoridades brasileiras obtenção direta das informações dos usuários com as filiais das empresas no país.

No mês de abril, a 2CCR enviou ao Congresso Nacional nota técnica contrária ao adiamento do início da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados, previsto para 20 de agosto de 2020. No documento, o MPF afirmou que a LGPD pode auxiliar o país no desenvolvimento de ações e colaboração com atores estrangeiros durante a pandemia. Além disso, ressaltou a importância da instalação, o mais breve possível, da Autoridade Nacional de Proteção de Dados e do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade, órgãos que já deveriam estar em pleno funcionamento.

Em agosto, a pedido da 2CCR, o procurador-geral da República, Augusto Aras, solicitou ao Congresso agilidade na tramitação da ratificação legislativa da adesão do Brasil à Convenção de Budapeste sobre o Cibercrime. Nota técnica elaborada pelo GACC/2CCR listou os benefícios da adesão ao tratado e esclareceu dúvidas referentes ao funcionamento da Convenção.

Fake News – Outro tema acompanhado de perto pela 2CCR foi a propagação de notícias falsas na internet. Em abril, a 2CCR lançou o Guia de Investigação e Combate à Desinformação na Internet no contexto da Covid-19. A publicação busca auxiliar membros no combate à desinformação na internet. Elaborado pelo GACC, o guia apresenta possíveis tipos penais para condutas criminosas no ambiente virtual, além de dicas para identificação de notícias e posts falsos.

Em junho, a Câmara Criminal enviou ao Senado nota técnica em que sugeria mudanças no Projeto de Lei das Fake News. Entre as alterações propostas estavam a reconsideração da exigência de documentação para cadastrar contas em redes sociais (art. 7º), com todas as suas consequências para a intimidade; e do procedimento de mediação para a retirada de conteúdo claramente criminoso, como arquivos contendo pornografia infantil ou anúncios de venda de drogas (art. 13).

Com a aprovação no Senado e envio do PL à Câmara dos Deputados, a 2CCR elaborou nova nota técnica sobre o Projeto de Lei 2.630/2020 (Fake News). O documento alertou os deputados sobre a magnitude das alterações legislativas e o pouco tempo que a proposta foi posta em debate na sociedade. Além disso, ponderou que o projeto aprovado pelo Senado “afeta diretamente vários diplomas legais no ordenamento jurídico brasileiro, com a possibilidade de influir em inúmeras relações jurídicas e condutas que ocorrem na rede mundial de computadores”.

Trabalho escravo – A Câmara Criminal do MPF também se dedicou ao enfrentamento do trabalho escravo contemporâneo em 2020. Em janeiro, durante o “Encontro Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo: Reforço de Parcerias Contributivas”, promovido pelo Ministério Público do Trabalho para marcar o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, o órgão superior afirmou que o sucesso do enfrentamento desse tipo de crime no Brasil depende da atuação integrada dos órgãos de fiscalização e sociedade civil.

Em novembro, a 2CCR participou de operação que resgatou 39 pessoas vítimas de trabalho escravo no sudoeste do Pará. Promovida pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) do Ministério da Economia, a ação encontrou os empregados em condições degradantes de trabalho e de vida no Garimpo Pau Rosa, localizado no Km 302 da Rodovia Transamazônica. O Grupo de Apoio ao Combate à Escravidão Contemporânea e Tráfico de Pessoas (Gacec-Trap) da Câmara Criminal do MPF acompanhou toda a operação, que também contou com representantes do MPT, da Defensoria Pública da União (DPU), da PF e do Ibama.

Tráfico de pessoas – Com o objetivo de buscar maior alinhamento interno, permitir o desenvolvimento de protocolos de atuação padronizados e facilitar o levantamento de dados e sistematização de informações sobre o tráfico internacional de pessoas associado à corrupção, as Câmaras Criminal (2CCR) e de Combate à Corrupção (5CCR), em parceria com a Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), iniciaram tratativas para a criação de um Grupo de Trabalho Intercameral sobre o tema. O GT Tráfico Internacional de Pessoas associado à Corrupção será composto por nove membros e terá duração de seis meses. Os trabalhos terão início a partir de 1º de fevereiro de 2021.

A iniciativa surgiu a partir de demandas da Rede Ibero-Americana de Procuradores Contra à Corrupção e da Rede de Combate ao Tráfico de Pessoas e Contrabando Ilícito de Migrantes (RedTram), ambas no âmbito da Associação Ibero-americana de Ministérios Públicos (AIAMP). Com o apoio do Programa EuroSociAL+ da União Europeia, essas redes vem trabalhando de forma coordenada para traçar um diagnóstico sobre a corrupção como facilitadora do tráfico internacional de pessoas, e desenvolver ferramentas para a melhor compreensão e adequado tratamento jurídico sobre os vínculos entre os crimes.

Legislação – O trabalho da Câmara Criminal do MPF também se traduziu em notas técnicas sobre projetos de lei, normas e outros assuntos de interesse da instituição, como a regularidade da Portaria nº 739/2019 do Ministério da Justiça, que regulamenta a atuação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em operações de natureza investigativa; dispositivo do Projeto de Lei 3.723/2019, que prevê o fim da obrigatoriedade de identificação de munição para venda a polícias, Forças Armadas e órgãos de segurança; e sobre o acautelamento de bens apreendidos e arquivamento físico de inquéritos policiais (IPLs) nas unidades do MPF.

A 2CCR também elaborou nota técnica em que sugeriu o veto ao artigo 29 do Projeto de Lei de Conversão da Medida Provisória 899/2019, que estabelecia o fim do voto qualificado nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Além disso, expediu orientação sobre a aplicação da Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019), que entrou em vigor em janeiro de 2020.

Em audiência pública na Câmara dos Deputados sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 199/2019, que altera os artigos 102 e 105 da Constituição Federal, transformando os recursos extraordinário e especial em ações revisionais de competência originária do STF e do STJ, o órgão superior do MPF em matéria criminal defendeu o início da execução da sentença ou acórdão após decisão colegiada de segunda instância do Poder Judiciário.

Administrativas – A nova composição da 2CCR tomou posse em 15 de junho, após aprovação dos nomes pelo Conselho Superior do MPF. O subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos assumiu a coordenação do colegiado, composto ainda pelos subprocuradores-gerais Luiza Frischeisen e Francisco Sanseverino, como membros titulares. Como suplentes, assumiram os subprocuradores-gerais Paulo Eduardo Bueno e os procuradores regionais Alexandre Camanho e Paulo de Souza Queiroz. Durante todo o ano, o órgão superior realizou 16 sessões de coordenação e 35 sessões de revisão, com a deliberação de 8.715 procedimentos ao todo.