Em sustentação oral na sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quarta-feira (23), que retomou o julgamento da possibilidade de início do cumprimento da pena após condenação em segunda instância, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu que seja mantido o entendimento da Suprema Corte, de 2016. Naquela ocasião, o STF entendeu ser constitucional que o réu condenado em segundo grau começasse a cumprir a pena. “Deflagrada a ação penal, há inúmeras garantias constitucionais salvaguardadas no âmbito alargado do direito fundamental a um justo e devido processo legal, assegurando ao réu paridade de armas com o Estado-acusador (e defensor dos direitos da vítima) para demonstrar sua inocência”, afirmou o PGR.
Auguso Aras requereu ao STF que sejam julgadas improcedentes as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43, 44 e 54, declarando-se a inconstitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, especificamente no ponto em que veda a execução da pena resultante de sentença penal recorrível, “sem prejuízo da sua suspensão cautelar, incidenter tantum, considerados os graus de culpabilidade e de periculosidade do condenado, prestigiando o heroico remédio do habeas corpus”. Para o PGR, não podem ser desconsideradas situações intermediárias entre a fraca presunção de inocência antes da sentença condenatória e a forte presunção de culpa após o trânsito em julgado. “Ao nos afastarmos do raciocínio maniqueísta dos extremos, percebemos que o réu, o qual se presume inicialmente não culpável, tem algo necessariamente acrescido em sua condição após a sentença penal condenatória, sob pena de se reduzir o valor do pronunciamento de mérito do Poder Judiciário”, pontuou.
O PGR defendeu que, ante a possibilidade de serem cometidos erros na condenação, é prudente que se aguarde o julgamento em segunda instância para que possam ser corrigidos. Nesta fase é que se tem a devolução das “matérias de fato e de direito, com o reexame da justiça ou da injustiça da decisão” na primeira instância, na qual se dá a subsunção entre fatos e normas e a possibilidade de reexame dos fatos. Cumprida esta etapa, Aras entende que estará atendido o duplo grau de jurisdição previsto na Convenção Americana dos Direitos Humanos e na garantia fundamental do artigo 5º da Constituição Federal. “A instância extraordinária é vocacionada não ao julgamento de casos, mas de teses jurídicas”, defendeu Aras, que também alegou que ela somente é acessível para quem dispõe de recursos financeiros.
Citando a obra de Cesare Becaria, “Dos Delitos e das Penas”, na qual o autor diz que “quanto mais a pena for rápida e próxima do delito, tanto mais justa e útil ela será”, Augusto Aras salientou que não se pode desconsiderar a realidade do sistema de Justiça brasileiro, que tem um longo tempo de tramitação dos processos, “bem como os corriqueiros recursos protelatórios, as medidas de obstrução da Justiça e o indesejável, mas frequente abuso do direito de defesa”. Ele salientou que a Constituição autoriza a prisão resultante do devido processo legal e assegura o direito à ampla defesa e ao contraditório no duplo grau de jurisdição.
Augusto Aras lembrou que em 2016, no julgamento do HC 126.292/SP, o STF voltou a permitir – após sete anos – a execução da pena após o julgamento em segundo grau. Naquele ano, a “Corte voltou aos rumos tradicionais, homenageando não só uma interpretação sistemática da Carta de 1988, mas também o fortalecimento do Poder Judiciário, ao emprestar eficácia à jurisdição penal ordinária; e do Ministério Público, que desempenha o poder-dever de personificar o povo brasileiro como órgão acusador e como defensor dos direitos dos cidadãos (das vítimas); isso considerando o sentimento prevalecente de que estamos vivendo tempos em que se sobreleva a sensação de impunidade dos culpados, mitigando a esperança de dias melhores”.
Execução provisória da pena: avanço no combate à impunidade – Entre 1988 e 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendia ser possível a execução da pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Em fevereiro de 2009, a Corte mudou a interpretação e passou a proibir a medida. Nova decisão da Corte Suprema, do início de 2016, voltou a permitir que condenados começassem a cumprir as respectivas penas após sentença da segunda instância. Desde a mudança de posicionamento, o STF já reiterou o entendimento em outros julgamentos. O tema voltou ao debate com o julgamento de mérito das Ações Diretas de Constitucionalidade (ADCs) 43, 44 e 54 iniciado em 17 de outubro.
De acordo com memorial enviado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) aos ministros do STF, a sucessão de decisões em 2016, que culminou com a edição do precedente firmado no julgamento do ARE 964.246/SP, “compôs uma virada jurisprudencial histórica”. Segundo o documento, o precedente, por ser oriundo do Pleno do STF e formado sob o rito da repercussão geral, tem eficácia vinculante erga omnes, de modo que deve ser obrigatoriamente observado por todas as instâncias jurisdicionais do país.
Para o Ministério Público Federal (MPF), em virtude desse novo precedente, desde 2016, a população brasileira passou a assistir criminosos de “colarinho branco” serem presos após condenação em segunda instância. “O que antes não acontecia basicamente em razão da capacidade financeira desses réus mais afortunados de arcar com a interposição sucessiva de recursos contra as respectivas condenações protraindo ao máximo no tempo o trânsito em julgado, até o atingimento da prescrição”.
Constitucionalidade – Em diversas oportunidades o Ministério Público Federal defendeu a compatibilidade da execução provisória da pena com a Constituição, destacando que a medida não não viola o princípio da presunção da inocência. De acordo com o MPF, a execução provisória valida a condenação pelas instâncias judiciais que produzem e analisam fatos, provas e demais aspectos legais.
No memorial entregue aos ministros na semana passada, a Procuradoria-Geral da República destaca que a vedação, pelo legislador, a qualquer dessas medidas restritivas, sob o argumento de que elas afrontariam o princípio da presunção de inocência, “não pode comprometer a efetividade da tutela penal a ponto de levar à total inoperância do sistema, notadamente o criminal – constitucional”.
Leave a Reply